Editorial dos Cadernos de Sociomuseologia Nova Série 3-2014 (vol. 47)
Resumo
Editorial
Trata-se de um volume que sob o título de Património, Política e Sociomuseologia reúne um conjunto de textos que propõem uma reflexão em diferentes contextos do lugar dos museus na sociedade contemporânea. Tendo por base geralmente realidades concretas como seja a Cidade de Paraty, os Museus de São Paulo, o Museu Municipal de Borborema, o Museu Comunitário da Escola Viva Olho do Tempo no Estado da Paraíba ou o Museu do MST este número dos Cadernos de Sociomuseologia apresenta de uma maneira viva e questionadora várias dimensões da Museologia Social, tanto a nível dos conceitos como da análise de diferentes tipos de práticas.
No primeiro texto, partindo do reconhecimento que as transformações socias, políticas, culturais, educativas e económicas que se desencadearam ao longo da segunda metade do século XX foram motores das mudanças no campo teórico-metodológico da Museologia, o artigo “O social como objecto da museologia” de Judite Primo reflecte sobre os caminhos que deram forma à transformação do Museu- Tempo em Museu- Fórum, em particular a partir dos anos 70 do seculo XX no quadro da abordagem proposta pela “Nova museologia” .
No novo museu de ideias, as tradicionais ações de coleta, preservação e educação como fomento à contemplação, deu lugar a um novo foco e a uma nova preocupação, que prioriza o social, as pessoas, as ideias, os patrimónios em relação com os diferentes contextos de produção e consumo social e a uma ação educativa dos museus como fomento e alicerce para a discussão e diálogo e a compreensão ativa do presente.
Também no mesmo registo, o texto de Maria Ignez Mantovani “Museus: Engajamento e colaboração” coloca a questão do engajamento e da colaboração com elementos fundamentais da democratização dos museus e por consequência, nas bases do que pode ser identificado com o conceito de Museu-Fórum ou espaço-ágora. Como a própria autora refere
o texto procura levantar alguns aspectos do museu-fórum, do museu que se preocupa em pesquisar, em perguntar, em ouvir, em dialogar, em compartilhar, em buscar, em contribuir para a construção de uma sociedade mais justa, mais plural, mais digna, mais verdadeira e, portanto, inclusiva. Esta é a essência que deve guiar a ação museológica, comprometida com a realidade em que o museu atua, com a sociedade que lhe dá sentido, com as ações que a comunidade elege, com as práticas que ela reconhece como suas e que decide codificar e perenizar para o futuro.
Esta reflexão torna-se ainda mais interessante se tivermos em consideração que no essencial a autora tem por referência os museus do Brasil e, em particular, a realidade museológica de São Paulo onde os museus que privilegiam a dimensão social e participativa são uma realidade avassaladora.
Átila Tolentino em “Entre políticos e mestres de cultura popular: discurso, poder e ideologia nos museus” apresenta uma reflexão sobre a natureza do discurso expográfico com base no trabalho desenvolvido no Museu Municipal de Borborema, e no museu comunitário Museu da Escola Viva Olho do Tempo, localizados no Estado da Paraíba, pondo em evidência as suas representações que, nestes casos, são diametralmente opostas. Com efeito, o autor põe em relevo a questão do lugar do Objeto em contexto museológico
O objeto museológico não é um simples objeto, que guarda a sua função original meramente utilitária. Como um documento, ele é dotado de significados e tem o poder de comunicar, oprimir ou libertar. (…) Em conjunto, eles constituem e constroem um discurso, nunca neutro como qualquer outro tipo de discurso, mas carregado de subjetividades e intencionalidades. Como documentos, os objetos museológicos podem servir para a emancipação, para a reflexão crítica ou para a reificação de uma lógica de poder. Em suma, representam uma estrutura social e teias de relações, que sempre estão permeadas por uma hierarquia de poder
Também Mário Chagas e Claudia Storino em “Museu, patrimônio e cidade: camadas de sentido em Paraty”, tendo por base o estudo do Museu de Arte Sacra de Paraty, colocam a questão do sentido das narrativas na definição das estratégias da renovação e da preservação urbanística em particular nas cidades históricas. Trata-se do lugar do património e da prática museológica que no presente texto são entendidas
como práticas sociais, antros de relação e dispositivos de narração que se constroem por meio de espacialidades, temporalidades, imagens, informações, vivências e convivências tratadas, em simultâneo, como bens, representações e manifestações culturais. (…) levando-os a concluir que É neste sentido que podemos dizer que determinados lugares de memória estão contidos em outros lugares de memória e desafiam o nosso entendimento acerca das possíveis tessituras entre macro e micro lugares de memória e de esquecimento, de poder e de resistência.
Seguindo por essa trilha, podemos, por fim, sugerir que o denominado patrimônio material é composto de imaterialidades e que o denominado patrimônio imaterial não sobrevive sem a âncora das materialidades
Maria Chaves em “O Museu do MST e a emergência de uma nova museologia” trata os diferentes sentidos que o Museu do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) assume. Constatando que no Brasil nos últimos 30 anos foram criados inúmeros museus profundamente articulados com diferentes grupos sociais povos indígenas, negros, imigrantes, moradores de favela, comunidades populares urbanas e rurais e que estes museus, são actualmente reconhecidos como importantes fatores de reconhecimento identidade e inclusão social, a autora fundamenta várias características, missões e objetivos que o Museu do MST pode e deve assumir. Assim o
seu patrimônio, ou seja, aquilo que ele pretende mostrar, analisar e discutir é a luta do movimento e suas memórias. Trata-se, pois, de um patrimônio imaterial, em fluxo, acompanhando a dinâmica da luta social e, por isso, em permanente processo de elaboração e resignificação.
Nessa perspectiva, o museu torna-se uma poderosa ferramenta de luta para o MST. O museu do MST ajudará o movimento em dois sentidos: por um lado ele permitirá uma melhor compreensão junto à sociedade brasileira da importância e do significado da reforma agrária e por conseguinte, da luta do MST. Por outro lado, o museu poderá ajudar o movimento a se repensar e rever suas estratégias de luta.
O artigo de Carlos Serrano “Restituição dos bens culturais retirados no contexto do colonialismo: instrumento de desenvolvimento e de diálogo intercultural”, trata da
restituição dos bens culturais retirados no contexto do colonialismo, da constituição do regime internacional de proteção e restituição do patrimônio cultural, seus princípios, limites e possibilidades. Discute a legitimidade dos pedidos de restituição, na perspectiva da imprescritibilidade dos crimes contra os Direitos Humanos do período colonial e como meio para a descolonização das relações entre ex-metrópoles e ex-colônias e reversão dos efeitos ainda presentes do colonialismo como as debilidades das identidades nacionais das ex-colônias.
O autor poe no entanto em evidência, a complexidade que estes processos assumem, sobretudo tendo em consideração que no momento atual marcado pelos valores do neoliberalismo, nem os direitos dos povos das ex-colónias, nem a construção e reforço das identidades culturais locais e nacionais são uma orientação geral mas, antes pelo contrário, correm no sentido inverso dos valores da própria prática e ideologia neoliberal dominante.
Nilo Cerqueira em “Patrimônios e Museus: Políticas Públicas Culturais no Brasil” analisa a Política cultural do Brasil com enfoque no Plano Nacional de Cultura e no Plano Nacional Setorial de Museus. Recorrendo em particular a um vasto conjunto de dados produzidos pelo Ministério da Cultura do Governo Lula, no período em que o cargo de Ministro da Cultura era ocupado por Gilberto Gil, o autor questiona o lugar que muitas das iniciativas ocuparam efetivamente naquilo que foi então, uma profunda reorganização das estruturas museológicas no Brasil e dos limites dessa mesma reorganização.
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