Dossiê Temático: Educar nas (Ultra)periferias: identidades, poderes, desafios

2021-06-14

Editor Convidado: Nuno Fraga, Universidade da Madeira, Centro de Investigação em Educação (CIE-UMa)

BREVE APRESENTAÇÃO

Com o presente dossiê temático “Educar nas (Ultra)periferias: identidades, poderes, desafios”, da Revista Lusófona de Educação pretende-se ampliar o debate académico sobre os sistemas de educação nas regiões ultraperiféricas (RUP) da Europa: Guiana Francesa, Guadalupe, Martinica, Maiote, Reunião e São Martinho (França), os Açores e a Madeira (Portugal) e as Ilhas Canárias (Espanha), que no seu conjunto acolhem cerca de 4,8 milhões de cidadãos.

As RUP embora afastadas geograficamente dos centros físicos de decisão e de poder, integram a União Europeia com todos os direitos e deveres associados à adesão. Todavia, “de acordo com o artigo 349.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), as medidas específicas e as derrogações na legislação da UE ajudam estas regiões a lidar com os grandes desafios que enfrentam devido ao afastamento geográfico, à insularidade, à pequena superfície, ao relevo e clima difíceis e à dependência económica de um pequeno número de produtos.”(1)

Pelo TFUE, o estatuto específico atribuído às Regiões Ultraperiféricas tem permitido, desde 2004, o desenvolvimento de estratégias europeias em prol dos desafios que se colocam a estas regiões, sobretudo no apoio e na exploração dos seus ativos. Paulatinamente, a Comissão Europeia consagrou as especificidades das RUP em 21 das suas propostas para futuros programas da União Europeia, dos quais destacamos no âmbito das políticas de educação e investigação: os programas Erasmus + e o Corpo Europeu de Solidariedade intensificando, deste modo, por exemplo, a cooperação das RUP com países terceiros e a iniciativa “Alargamento da Partilha e Difusão da Excelência” do programa Horizonte Europa com o intuito das RUP desenvolverem e ampliarem o seu potencial, num quadro mais amplo e em construção e que se tem afirmado como Espaço Europeu da Educação, cujo objetivo visa permitir “a todos os jovens beneficiar da melhor educação e formação, e encontrar emprego em toda a Europa”. (2)

É neste contexto, de ampliação do seu potencial, que evocamos Paulo Freire quando afirma “que se impõe o reexame do papel da educação que, não sendo fazedora de tudo é um fator fundamental na reinvenção do mundo” (3). A educação é, por si só, sinónimo de esperança, de empoderamento e de transformação social, pelo que a opção por modelos extensionistas de educação coisificam o seu potencial transformador, normalizando-a, submetendo-a a uma Agenda Global, messiânica, propagandística, e de domesticação (Freire, 2002) (4). Este cenário possível impõe reconhecer que “a linha abissal que divide o mundo entre sociabilidade (e subjetividade) metropolitana e sociabilidade (e subjetividade) colonial prevalece hoje tanto quanto no tempo do colonialismo histórico”, [não havendo] qualquer possibilidade de libertação enquanto a linha abissal não for confrontada.” (Santos, 2018, p. 478) (5).

Em linha com Santos (2018), recorre-se a Teodoro (2001) (6) e colocamos igualmente à discussão a reconstituição do Estado, a normalização da política educativa ou a substituição da política pelo planeamento na senda de uma intimação europeia, ou ainda a legitimação internacional de um novo mandato para a educação. Nestes cenários discursivos e que abrem espaço a múltiplas análises críticas considera-se igualmente que “o processo de globalização faz com que a vinculação territorial do poder seja mais frouxa. As formações de poder transnacionais, que surgem como “quase-Estados”, não estão vinculadas a qualquer território determinado. Não são telúricas.” (Han, 2017, p. 107) (7). Todavia, “o poder é centralizador” e “se o seu impulso em direção ao uno o estabelece como algo de absoluto, então o que subsiste ao seu lado, ou o múltiplo, é percebido somente como aquilo que tem de ser suprimido”. (Han, 2017, p. 108). Confrontamo-nos, portanto, com processos antidialógicos, com invasão cultural, conquista e manipulação. (Freire, 2018) (8).

Adentrando na especificidade do Dossiê, pretende-se receber contributos que nos ajudem a analisar e a refletir criticamente o posicionamento dos sistemas educativos das RUP nas narrativas locais, regionais, nacionais e transnacionais da educação, desvelando identidades, poderes e desafios. Procura-se não só a compreensão das lógicas de interesse, conflito, poder e negociação da arena da política educativa nas RUP, como busca-se conceções problematizadoras da educação, de dialogicidade e de práticas libertadoras. Para isso, as propostas a submeter a esta Call deverão ir ao encontro dos respetivos eixos temáticos do Dossiê, podendo as sugestões de artigos estarem associadas aos seguintes questionamentos: Que modelos organizacionais e perspetivas analíticas e comparativas têm sido desenvolvidos nos sistemas educativos das RUP?; Qual ou quais os quadros teóricos dominantes na conceção, desenvolvimento e execução de modelos e práticas da administração educacional nas RUP?; Como se alicerça a gestão do currículo escolar nas RUP face às dimensões e pressões ideológicas, globais e locais, da política educativa? Que narrativas, identidades e poderes corporificam o quadro político e histórico da educação nas RUP? Que desafios se colocam à educação do século XXI nas RUP?

EIXOS TEMÁTICOS
  1. Os sistemas educativos das Regiões Ultraperiféricas
  2. Modelos e práticas de administração educacional nas Regiões Ultraperiféricas: extensões e/ou idiossincrasias
  3. O currículo, o global e o local nas Regiões Ultraperiféricas
  4. O quadro político e histórico da educação nas Regiões Ultraperiféricas: narrativas, identidades e poderes
  5. Os desafios da educação nas Regiões Ultraperiféricas
IDIOMAS

Português, Espanhol, Francês, Inglês

DATAS IMPORTANTES

Datas de submissão – Até 30 de janeiro de 2022

Datas de avaliação – Até 30 de abril de 2022

Datas de publicação – 1.º semestre de 2022

Os(as) autores(as) deverão apresentar uma proposta entre um mínimo de 30.000 e um máximo de 40.000 caracteres (com espaços, incluindo resumos nos 4 idiomas (português, espanhol, francês e inglês), gráficos, quadros, imagens, notas de fim de texto e referências bibliográficas. Estas não devem exceder 25.

Todos os trabalhos serão submetidos à apreciação da Comissão Editorial da revista e sujeitos a “revisão cega”. No entanto, os organizadores reservam-se o direito de tomar as decisões finais quanto à publicação. Serão selecionados 7 artigos para o dossiê.

Ler as regras de submissão em: revistas.ulusofona.pt/submissions

Cada artigo do dossiê temático deverá ser enviado para:rle.educacao.ultraperiferias@gmail.com

 

*(1) https://ec.europa.eu/regional_policy/pt/policy/themes/outermost-regions/

*(2) https://ec.europa.eu/education/education-in-the-eu/european-education-area_pt

*(3) Freire, P. (1997). Política e Educação. (3.ª ed.). São Paulo: Cortez.

*(4) Freire, P. (2202). Extensão ou Comunicação? (12.ª ed.). São Paulo: Editora Paz e Terra.

*(5) Santos, B. S. (2018). O Fim do Império Cognitivo. A afirmação das epistemologias do Sul. Coimbra: Almedina

*(6) Teodoro, A. (2001). A Construção Política da Educação. Estado, mudança social e políticas educativas no Portugal contemporâneo. Porto: Edições Afrontamento.

*(7) Han, B-C. (2017). Sobre o Poder. Lisboa: Relógio D’Água.

*(8) Freire, P. (2018). Pedagogia do Oprimido. Porto: Edições Afrontamento.